Projeto-piloto que está em implantação no país tem como objetivo trabalhar melhor, e não trabalhar mais, conta Renata Rivetti, fundadora e diretora da Reconnect - Happiness at Work, parceira da 4 Day Week Global
Para lidar com os crescentes desafios relacionados à saúde mental dos colaboradores, as empresas terão que fazer mudanças muito mais profundas do que oferecer benefícios corporativos ou horários flexíveis. Ações pontuais ajudam, mas são insuficientes -- será preciso repensar toda a cultura de trabalho e produtividade, defende Renata Rivetti, fundadora e diretora da Reconnect - Happiness at Work.
A empresa brasileira, focada em felicidade corporativa e liderança positiva, é parceira da 4 Day Week Global, organização que está à frente dos projetos-pilotos da jornada de trabalho de quatro dias, já realizados em países como Portugal e Bélgica, e cujos testes no Brasil devem começar em novembro.
"O piloto será uma grande oportunidade para acabarmos com vários mitos e crenças que temos no mercado. Uma delas é de que horas trabalhadas têm a ver com produtividade. Ainda seguimos uma cultura workaholic, que valoriza muito as horas trabalhadas e coloca até um certo glamour em se dizer sobrecarregado", analisa Renata, que é embaixadora da iniciativa no Brasil.
Dados da agência de notícias Bloomberg Linea compilados pela Reconnect apontam que o número de horas trabalhadas em média no Brasil é mais alto do que em outros países da região e, apesar disso, o PIB por hora trabalhada fica atrás de países como Chile, Argentina e Panamá. Enquanto os brasileiros trabalham, em média, 38 horas por semana e geram um PIB por hora de US$ 17, profissionais do Panamá, por exemplo, trabalham 34 horas por semana e geram um PIB por hora de US$ 35.
"O que temos visto nos dados é que, em geral, os profissionais são produtivos cerca de duas a três horas por dia e, se você pensar, estamos trabalhando até mais de oito horas, dez horas no escritório. Não estamos trabalhando bem. O Brasil é um país pouco produtivo e, mesmo assim, existe a sobrecarga. Então, a ideia do piloto é trabalhar melhor, e não trabalhar mais", explica a executiva.
Até agosto, a Reconnect está com o cadastro aberto para as interessadas em participar do piloto -- cerca de 350 empresas já manifestaram interesse. Além disso, nesse período, a Reconnect está realizando sessões de formação para apresentar a metodologia. O modelo adotado é o 100-80-100: 100% de pagamento do salário, trabalhando 80% do tempo e mantendo 100% da produtividade.
Em setembro, o grupo de empresas que deve participar da iniciativa estará formado e, em seguida, começam os treinamentos para implementação efetiva do teste, que começa em novembro, com duração de seis meses. Os resultados serão acompanhados por meio de pesquisas quantitativas e qualitativas realizadas em parceria com o Boston College antes do piloto, depois de três meses e ao final do projeto.
Segundo levantamento da 4 Day Week Global, 63% das empresas acharam mais fácil atrair e reter talentos com uma semana de quatro dias, e 78% dos funcionários com semanas de quatro dias são mais felizes e menos estressados.
Saúde mental não é mais tabu, mas ainda esbarra em culturas tóxicas
O bem-estar dos funcionários ganhou maior atenção das corporações nos últimos três anos, especialmente depois que a síndrome do burnout passou a ser considerada uma doença do trabalho pela Organização Mundial da Saúde (OMS), classificação que entrou em vigor em janeiro de 2022. A partir dali, o quadro passou a ser tratado como "estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso".
Para Renata, a saúde mental não é mais um tabu nas organizações, mas as empresas ainda não sabem exatamente o que fazer para promover um ambiente de trabalho mais saudável. "Hoje o burnout é uma responsabilidade da empresa. Então, ela tem que olhar para o tema.
Mas muitas ainda lidam com isso de forma superficial. Várias organizações implementam programas de bem-estar e acham que o assunto está resolvido, mas a causa-raiz hoje dos problemas de saúde mental nas corporações vem do ambiente tóxico", afirma.
Para atacar o problema, explica, a mudança tem que acontecer a nível organizacional, com uma liderança mais humana e empática e uma cultura de trabalho mais positiva. "Não adianta oferecer benefícios corporativos se a liderança tem comportamentos abusivos. As empresas ainda não estão olhando com o foco que deveriam para isso", observa Renata.
Tratar do bem-estar dos funcionários não só traz benefícios ao nível do indivíduo, mas também tem impacto nos resultados da empresa. "O ganho a longo prazo é da companhia também. Não existe inovação sem segurança psicológica, não existe inovação em um ambiente de medo. Fala-se tanto em produtividade, mas hoje o custo da falta de engajamento dos funcionários é altíssimo", reforça a executiva. "Promover a saúde mental dos colaboradores é bom para eles, bom para a empresa e bom para a sociedade, que terá menos pessoas adoecidas. Todo o mundo tem a ganhar com essa mudança", diz.