Ambiente melhora, produtividade se mantém e profissionais de qualidade são atraídos e mantidos, dizem empresas; transição é difícil e não serve para todos os profissionais ou atividades
João Drummond (em pé), CEO da Crawly, que experimenta semana de quatro dias desde 2017; se houver urgência, o setor de suporte é convocado para resolver pendências no dia da folga extra. Foto: Washington Alves/Estadão
O que empresas que já experimentaram a semana quatro dias de trabalho estão achando dos resultados?
O Estadão revisitou a rotina de duas empresas que reduziram suas jornadas e deram entrevista sobre isso um ano atrás, para buscar entender a evolução e os erros do processo.
A Winnin, que analisa comportamento da audiência em relação a vídeos on-line, começou a testar a jornada reduzida em 2021. Seu esquema de trabalho é 100% remoto.
A Crawly, empresa de software, de automação e consultoria de dados, experimenta a semana de quatro dias desde 2017. Lá, o trabalho é híbrido.
Ambas as empresas suspendem o trabalho às sextas-feiras.
Menos reuniões e mais rotinas organizadas
“Não é trabalhar menos. Na verdade, é trabalhar de maneira mais organizada”, afirma Gian Martinez, CEO da Winnin. Segundo ele, o modelo por si só não garantiu benefícios. Foi preciso que todos os funcionários se comprometessem.
A Winnin passou por um processo de adaptação que envolveu treinamentos e cursos, como comunicação no slack e otimização de reuniões.
Tudo isso para criar uma cultura mais focada e disciplinada. O número de reuniões diminuiu para evitar passar horas em conversas profissionais que resultavam em perda de tempo.
“Nós treinamos para uma forma de trabalho mais inteligente”, diz.
Em todo o mundo, o excesso de reuniões é um dos obstáculos para a garantia da produtividade. Em média, funcionários chegam a gastar 18 horas por semana em compromissos desse tipo, conforme pesquisa feita pela Universidade da Carolina do Norte, nos EUA.
“Será que não dá para ter reuniões mais curtas, mais eficientes, com menos pessoas participando, com uma pauta definida mais clara para que as pessoas não fiquem divagando?”, sugere Renata Rivetti, diretora da Reconnect - Happiness at Work e embaixadora da iniciativa da 4 Day Week Global no Brasil.
Alguns funcionários não se adaptaram
Não foi apenas a forma de se comunicar a ser repensada na Winnin. No meio do caminho, Martinez observou que nem todos os funcionários se acostumaram com o modelo.
“Algumas pessoas deram mais certo que outras”, relembra. Com isso, ficou claro que as necessidades de trabalho flexível não são iguais para todas as pessoas. Na época do projeto piloto, em 2021, eram 90 colaboradores. Hoje, o número caiu para 70.
Mas não significou uma queda na receita, no engajamento, na entrega e no bem-estar das equipes, afirma o CEO. O faturamento da empresa dobrou, a produtividade se manteve e os trabalhadores demonstram satisfação, diz Martinez.
A Winnin avalia a saúde mental dos funcionários por meio de pesquisas de clima organizacional, métodos de avaliação a cada seis meses com feedback e acompanhamento semanal e mensal.
Martinez diz que usa seu dia off para organizar a semana. Outras pessoas aproveitam a folga para participar de cursos e até fazer códigos de programação, mas nenhuma tarefa é cobrada pela empresa, segundo o CEO.
Modelo atrai e retém bons profissionais do mercado
Para as empresas, a semana de quatro dias tem a vantagem de atrair e reter bons profissionais. Assim, pequenas e médias empresas conseguem disputar a contratação de talentos com as gigantes. É mais fácil aplicar o modelo em equipes menores.
João Drummond, CEO da Crawly, considera a qualidade de vida e a retenção de talentos como os principais bônus da semana de quatro dias.
Ambos os gestores concordam que a cultura do “ninguém deseja sair” é um argumento a favor da manutenção do experimento.
A equipe de engenharia foi o setor pioneiro da Crawly do experimento em 2017. Quatro anos depois, o teste foi expandido para as demais áreas da organização: marketing, administrativo e comercial.
Assim como na Winnin, a produtividade se manteve e houve um aumento do nível de satisfação dos profissionais.
As mensurações são feitas com acompanhamento qualitativo, trimestral e conversas individualizadas, que ainda são possíveis por causa do tamanho do quadro de funcionários, cerca de 30.
Porém, a transição não foi fácil e perfeita. Inicialmente, o dia off era às segundas para alguns colaboradores, e nas sextas para outros, com alternância das turmas.
Após um período, Drummond percebeu que a estratégia não era totalmente bem-vinda, já que a maioria preferia na sexta. O ajuste foi feito. Hoje, existe uma escala apenas no setor de suporte.
Se acontecer alguma emergência, as pessoas envolvidas no assunto são convocadas para resolver a questão, mesmo no dia de folga extra e de maneira remota.
Futuro da semana de 4 dias no Brasil
A Winnin e a Crawly desenvolvem atividades que favorecem a adoção da semana de quatro dias. Outros setores, como varejo, comércio e serviços básicos, ainda devem enfrentar resistência. Isso porque são atividades que demandam 24 horas nos sete dias da semana.
Um hospital, por exemplo, exige mais estratégias para cogitar um novo arranjo.
Por outro lado, profissionais das áreas de publicidade, advocacia e contabilidade, por exemplo, podem aderir mais facilmente.
“Estamos vendo que existe interesse de todos os segmentos, inclusive, de áreas que não imaginamos. Em Portugal, até creches estão participando do experimento”, descreve Renata Rivetti.
Mentalidade workaholic precisa mudar
De acordo com a embaixadora dos testes no Brasil, o modelo ainda precisa superar dois desafios de mudanças comportamentais.
O primeiro é a mentalidade. “Ainda valorizamos o perfil workaholic, pois se acredita que horas trabalhadas têm a ver com produtividade”, explica.
O segundo ponto é o esforço. Para que a jornada menor tenha êxito, é recomendado redesenhar o modelo de trabalho com metodologia adequada.
“Se as pessoas estão sobrecarregadas hoje e ainda tirarmos um dia de trabalho, provavelmente vão ficar mais ansiosas e sobrecarregadas. Então, é preciso que façam mudanças nas suas agendas e nas suas prioridades”, ressalta Rivetti.
A 4 Day Week Global e o Boston College, em parceria com a brasileira Reconnect Happiness at Work, planejam conduzir um teste desse novo modelo em outras empresas brasileira a partir de novembro.
A experiência deve durar até maio de 2024. O modelo adota o sistema de 100% do salário, com 80% do tempo trabalhando, mantendo 100% da produtividade.
A partir dos resultados, as empresas decidem se continuam ou não com a jornada reduzida. Não foram divulgadas quantas e quais empresas vão participar porque a adesão ainda está aberta.
Dicas para empresas que desejam implantar o modelo
Entenda as particularidades dos seus funcionários, converse individualmente com as pessoas. Mapeie se todos estão dispostos a se comprometer. É necessário engajamento e convicção para que o teste funcione.
Saiba que a semana de quatro dias não vai resolver os erros da cultura da empresa. As metas, os objetivos e a comunicação devem estar alinhados.
Estude, converse e troque figurinhas com líderes de empresas que já adotaram o modelo. Compreender o momento do mercado evita uma tentativa fracassada.
Realize pesquisas de clima organizacional e avalie o índice de estresse das equipes.
“Não ache que vai funcionar em todas as empresas”, alerta Gian Martinez. Em alguns casos, a implantação pode ser ainda mais difícil que o normal e talvez sua organização não esteja preparada para fazer a transição.
Não abra mão de cursos e treinamentos. Culturalmente, as pessoas estão acostumadas com o clássico horário de 9 às 18h, de segunda à sexta. Redesenhar o modelo de trabalho exige novos repertórios, disciplina e foco.
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